Dia Mundial da Filosofia | "Filosofia: Porquê?" por Artur Ilharco Galvão

Duas questões recorrentemente colocadas aos filósofos são: “o que é a filosofia?” e “para que serve a filosofia?”. Ao contrário de outras áreas do saber – física, química, biologia, psicologia, sociologia, ciências da comunicação, etc. – a filosofia parece encontrar-se numa perpétua necessidade de se explicar e justificar. Contudo, esta não é uma tendência recente. Já Tales de Mileto, usualmente identificado como o primeiro filósofo, foi censurado pelo facto da sua pobreza decorrer da inutilidade da filosofia. Em resposta, Tales fez uso dos seus conhecimentos de astronomia para prever uma boa colheita de azeite e assim, após alugar os lagares de Mileto e Quios, obter uma elevada soma de dinheiro.

A história tem sido fértil em episódios onde os filósofos são escarnecidos e continuamente questionados sobre a justificação da utilidade e/ou pertinência da sua área para a sociedade e/ou humanidade. O que pode ser dito a este respeito? Quão boa pode ser a filosofia?

Para responder devemos antes pensar: que critérios devem ser empregues para (in)validar a filosofia? Estes devem ser expressos em linguagem leiga ou filosófica? Por exemplo, apelar a critérios de utilidade externa não faz sentido. Quem pergunta “quão boa é a filosofia?” coloca-se a si mesmo, não fora, mas dentro do processo filosófico, na medida em que está a levantar uma questão eminentemente filosófica.

A nossa cultura e a nossa vida quotidiana são compostas por pressupostos, teses, argumentos, interrogação, crenças e ações filosóficas. Por exemplo, se hoje olhamos para o nosso corpo como uma máquina orgânica que pode ser curada, manipulada e transformada, em muito o devemos aos trabalhos de La Mettrie e Descartes. Eles ensinaram-nos a ver-nos enquanto seres-humanos-máquina. Assim, quando dizemos que ‘nos saltou a tampa’, ‘estamos a fumegar’ ou ‘o nosso corpo está na sala, mas a nossa mente está longe’, estamos a assumir e a dar continuidade a essa mesma imagem.

O nosso dia-a-dia é profundamente marcado pela filosofia, pelo que a distinção entre aqueles que estão dentro e aqueles que estão fora dela é enganadora. A tarefa dos filósofos académicos não é, nem deve ser, estranha ao mundo do senso comum. Pelo contrário, eles procuram tornar explícitas, de forma mais rigorosa e técnica, as questões e as respostas que todos nós (filósofos profissionais e não profissionais) fazemos ou colocamos continuamente. Logo, a escolha não é entre fazer ou não fazer filosofia, mas entre fazê-la bem ou mal. A filosofia académica aspira à excelência da investigação e à disponibilização para os não-filósofos-académicos dos recursos que lhes permitam atingir a excelência nos seus múltiplos empreendimentos e vida pessoal, disponibilizando-lhes os conceitos e as técnicas para isso.

Pode objetar-se: Não existiam sociedades e seres humanos antes da filosofia? Não é possível viver-se sem filosofia? Claro que sim! A possibilidade do seu desaparecimento é real. Contudo, a vida não seria a mesma. As sociedades pré-filosóficas tendiam a ser sociedades marcadas pelo pensamento fechado, supersticioso e acriticamente dogmático. E se atualmente se assiste ao regresso da fragmentação, polarização e tribalização do discurso e do espaço público, muito se deve a uma tendência crescente de minimizar e desprestigiar a reflexão filosófica. Contudo, conforme sabiamente afirma Sócrates: “uma vida sem pensar não é digna de ser vivida”.

Artur Ilharco Galvão